segunda-feira, 30 de maio de 2011

Humaniza a ação, para Humanizar o ato de Cuidar

A humanização é um processo de construção gradual, realizada através do compartilhamento de conhecimentos e de sentimentos. Como enfermeira e educadora, questiono: como obter esta parceria entre o conhecimento e o sentimento? E como favorecer a uma aproximação mais real e verdadeira entre o enfermeiro e o paciente? 

Estes questionamentos me levam a refletir sobre um poema de Adélia Prado, “Ensinamento”:


“Minha mãe achava estudo 

a coisa mais fina do mundo. 

Não é. 
A coisa mais fina do mundo é o sentimento. 
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão, 
ela falou comigo: 
“ Coitado, até essa hora no serviço pesado “. 
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente. 
Não me falou em amor. 
Essa palavra de luxo”.


Sentimento e estudo...Creio que sem o sentimento o estudo perde o seu sentido, por outro lado, sem o estudo, sem o conhecimento, o sentimento pode acabar empobrecido.
Sentimento e estudo são como as asas dos pássaros, dos anjos, se auxiliam no equilíbrio para o vôo, a uma maior valorização da vida.

Ao amor, a Adélia atribui a “essa palavra de luxo”. Será que por isto é tão pouco lembrado nas nossas escolas, nos nossos estudos com os nossos alunos, no nosso trabalho como educadores e enfermeiros?

As ações de humanização englobam muitas e diversificadas práticas profissionais que vêm sendo introduzidas no tratamento de pessoas hospitalizadas (a psicologia, a terapia ocupacional, a arteterapia, a contação de histórias, a arte do palhaço, as artes plásticas, o toque terapêutico, a massoterapia, etc.).
Práticas essas que passam pelo sentimento, o amor. Amar é responder pela relação, é estar atento às necessidades do outro, respeitá-las, escutá-las, dar-lhes uma resposta. Amar é prestar atenção em nossa maneira de tratar o outro.
O amor está ligado ao respeito = respicere = olhar. É a capacidade de ver a pessoa tal como ela é, estar consciente de sua unicidade, é desejar vê-la florescer conforme seus desejos e meios.
Amar é abrir-se à realidade do outro como ele é sem procurar transformá-lo conforme as nossas expectativas, encorajando-o em seu caminho ao mesmo tempo em que respeitamos ambos as nossas necessidades: as dele e as nossas.
Nas ações da humanização, procuramos resgatar o respeito à vida humana, a nossa e a do paciente. Estando presente todo um universo social, ético, educacional e psíquico, observados em todo relacionamento humano. As ações da humanização envolvem um vínculo subjetivo, entre quem cuida e quem é cuidado.
Ao “ensinamento”, ao aspecto técnico-científico, cabe a responsabilidade do educador, do professor. Ensinar ao aluno, ao futuro profissional, de forma competente, a aplicar as técnicas no atendimento ao paciente de maneira segura e eficaz, associadas a um atendimento que considere e respeite a individualidade das necessidades do paciente.
Na escola pouco se aprende sobre a afetividade: usar o corpo, ter confiança em si, escutar, ter empatia, auto motivar-se, respeitar as diferenças individuais, a humanizar-se.
Os seres humanos são seres de relações, são seres emocionais e amorosos.
Amo o mar, amo os seres humanos, amo minha filha, te amo, amo caminhar, amo ler, amo escrever...
Que confusões nascem pelo fato de termos um só vocábulo para designar o amor. Mas o amor se encerra numa definição? Palavras são insuficientes para descrever todas as sutilezas desse sentimento que nos liga conosco, com os outros e com o mundo.O amor traz em si a responsabilidade da humanidade, o respeito ao próximo.
Esta disposição para a importância do respeito da individualidade do paciente estabelece um grau de adaptação e mudança; em compensação, abre espaço para a criatividade tão fundamental no atendimento humanizado. A criatividade aplica-se em todas as ações da Enfermagem, pois o ato de cuidar é perceber o todo, é enxergar de uma forma global, criativa e criadora.Temos que mudar a forma como aprendemos e a forma como mudamos.Temos que sermos melhores no Ato de Criar, no Ato de Cuidar.
Humanizar é acolher esta necessidade de resgate e articulação de aspectos indissociáveis: o sentimento e o conhecimento. Mais do que isso, humanizar é adotar uma prática na qual o enfermeiro, o profissional que cuida da saúde do próximo, encontre a possibilidade de assumir uma posição ética de respeito ao outro, de acolhimento do desconhecido, do imprevisível, do incontrolável, do diferente e singular, reconhecendo os seus limites. A possuir uma pré-disposição para a abertura e o respeito ao próximo como um ser independente e digno.
É necessário repensar as práticas das instituições de ensino, que preparam os profissionais de saúde no sentido de buscar alternativas de diferentes formas de atendimento e de trabalho que preservem este posicionamento ético no contato pessoal e no desenvolvimento de competências relacionais. Quanto mais articularmos o conhecimento teórico e técnico da ciência aos aspectos afetivos, sociais, culturais e éticos da relação profissional-paciente, mais estaremos no caminho para uma relação mais humanizada e eficaz. Devemos ensinar que é possível contribuir na recuperação de um paciente por meio de atitudes simples, de uma palavra ou de um ato de carinho.
Alguns projetos já concretizam esses desejos, outros começam a tomar forma, refletindo na necessidade de entendermos que a transformação dos ambientes hospitalares depende de Conhecimento e de Atitude (sentimento), para o desenvolvimento de fato, de ações e resultados. Assim pensando, o Hospital Aliança (Salvador-Ba.), iniciou em 2002 a colocar em ação o Programa Enfermeiro Trainee.
O hospital não é um hospital escola, com a finalidade de ensino, mas possui uma história alicerçada na educação, com um foco voltado para o desenvolvimento técnico e comportamental de todos os profissionais da empresa, envolvidos direta ou indiretamente na assistência ao paciente. Desenvolveu e desenvolve na sua trajetória assistencial, ações e projetos voltados para a humanização.
Com esta história construída, agregamos, pois faço parte dessa história, o Programa Enfermeiro Trainee, oportunizando ao recém formado a uma inserção no mercado de trabalho. Com todos os sonhos do profissional que inicia a sua caminhada.
O Programa considera o conhecimento uma aquisição de forma contínua e sistematizada, com a qualificação técnica/científica, prática e comportamental.
Está sendo desenvolvido em um ano, sendo os dois meses iniciais do programa denominado de Programa Introdutório, onde são focados temas comportamentais como: autocuidado, comunicação, postura profissional, atividades direcionadas a humanização do processo de cuidar.
O programa tem também como objetivo desenvolver e fornecer elementos para que o enfermeiro possa ser capaz de relacionar o conhecimento adquirido com a sua prática cotidiana estimulando a sua percepção quanto à importância para o seu crescimento pessoal e profissional.
Os instrutores são profissionais da empresa, especialistas da área, participando toda a equipe multiprofissional (enfermeiro, médico, fisioterapeuta, engenheiro clinico, nutricionista, assistente social...).Sendo uma aprendizagem de dupla mão.Uma oportunidade de crescimento para toda a equipe. Definitivamente, a Humanização Hospitalar está em ação.
A humanização em hospitais envolve essencialmente o trabalho conjunto de diferentes profissionais, de toda a equipe. O trabalho interdisciplinar pode favorecer a uma multiplicidade de enfoques e alternativas para a compreensão de aspectos que estão envolvidos no atendimento ao paciente. Isto tudo pode colaborar para o estabelecimento de uma nova cultura de respeito e valorização da vida humana no atendimento ao paciente.
É necessário mudar a forma como os hospitais se posicionam frente ao seu principal objeto de trabalho - a vida, o sofrimento e a dor de um indivíduo fragilizado pela doença. De nada valerão os esforços para o aperfeiçoamento gerencial, financeiro e tecnológico das organizações de saúde. Pois a mais extraordinária tecnologia, sem ética, sem delicadeza, sem respeito, não produz bem-estar. Muitas vezes, desertifica o homem.

Afinal, "o que é humanização?". Questionado as Enfermeiras Trainee o seu significado, recolhemos algumas definições:

-Respeitar o outro como a si mesmo; -É se colocar no lugar do próximo ao cuidar dele; - Utilizar palavras simples como: bom dia, obrigada, posso ajudar? -Tratar o paciente de maneira humana.
Repostas que não englobam a complexidade da palavra, mas expressam que nas nossas relações diárias de trabalho há um espaço para os nossos corações se manifestarem. E estas jovens enfermeiras já perceberam o quanto faz diferença para elas e os pacientes. Observamos que, quando alguma coisa está em voga, podem ocorrer duas situações: a oportunidade de aprofundar e, aprender; ou o risco de banalizar e, com isso, perder o seu verdadeiro significado. E a humanização está no topo das discussões.

Acreditamos que qualquer ação na área da humanização necessita ter em mente o alcance e a delicadeza do tema. Esse tipo de cuidado pode resguardar sua profundidade, do contrário corremos o risco de banalizar essa prática através de ações bem intencionadas, mas talvez, pouco efetivas.

Educar com o coração, viver a vida com o coração, ser o mais total e integral possível, ter na consciência o papel que exerce no universo e representá-lo, tudo isto significa manifestar a inteligência do coração. Ou melhor, ainda estabelecer a parceria entre o conhecimento e o sentimento.
São os seres humanos que formam a sociedade, mudar a sociedade sem mudar o ser humano é ilusão.O trabalho, a criatividade, a educação e a vida social e familiar não evoluem separados.
Complementando essas reflexões sobre o processo de humanização recorro mais uma vez a beleza, a poesia através de um texto narrativo de Marina Colasanti: “De Cabeça Pensada”.
“Tinha 30 anos quando decidiu: a partir de hoje, nunca mais lavarei a cabeça. Passou o pente devagar nos cabelos, pela última vez molhados. E começou a construir sua maturidade”.
Tinha 50, e o marido já não pedia, os filhos haviam deixado de suplicar. Asseada, limpa, perfumada, só a cabeça preservada, intacta com seus humores, seus humanos óleos. Nem jamais se deixou tentar por penteados novos ou anúncios de xampu. Preso na nuca, o cabelo crescia quase intocado, sem que nada além do volume do coque acusasse o constante brotar.
Aos 80, a velhice a deixou entregue a uma enfermeira. A qual, a bem da higiene, levou-a um dia para debaixo do chuveiro, abrindo o jato sobre a cabeça branca.
E tudo o que ela mais havia temido aconteceu.

Levadas pela água, escorrendo liquefeitas ao longo dos fios para perderem-se no ralo sem que nada pudesse retê-las, lá se foram, uma a uma, as suas lembranças “.


A bem do paciente, devemos respeitar os seus desejos, as suas inquietações, as suas lembranças...Respeitar a vida.

Somente dessa maneira, podemos falar, da humanização, do respeito ao próximo.

E resgatar outro sentimento sem o qual a vida fica sem sentido: a esperança, que não espera acontecer, mas procura com toda a sua garra e energia tornar realidade o desejo de muitos: transformar todos os locais destinados a cuidar de pessoas, todas as escolas que preparam os “cuidadores” e todos aqueles que ensinam a cuidar, em uma nova comunidade de profissionais cuidadores da saúde e educadores, na qual exista um espaço para o estudo e o sentimento, dando assim a dimensão real da humanização: o nosso amor ao próximo, a nossa humanidade.
Lembrando, que se faz necessário: Humanizar a Ação para Humanizar o ato de Cuidar.
FONTE: Tânia Baraúna Enfermeira, Psicopedagoga. Disponível em : http://www.iacat.com/revista/recrearte/recrearte02/tania01.htm.
POSTADO POR KARLA DAIANE SANTOS (TURNO DA MANHÃ)

5 comentários:

  1. É de suma importância que os profissionais da área da saúde tenham o conhecimento científico para poder atuar de forma correta frente as patologias apresentadas pelos pacientes. Mas vale lembrar que só o conhecimento científico, sem o lado humano, o saber entender, compreender, interagir com o paciente, faz com que sua reabilitação ou cura se torne deficiente.
    Lembrando que além de profissionais que cuidam da saúde e que educam, somos seres humanos dotados de sentimentos, creenças, e que precisamos entender e compreender esses sentimentos no paciente.

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  2. CONHECIMENTO X SENTIMENTO, uma dualidade que cerca nosso psíquico,pois a educação que nos é oferecida hoje está voltado a muito mais a treinar nosso conhecimento científico, e se esquece de moldar o nosso lado sentimental, que se torna de grande importância para todos os profissionais de qualquer área que possa a vim atuar.
    Hoje quando se fala de humanização acha que é só necessário para área da saúde, e se esquece que qualquer profissão a humanização deve está evidente, pois todos as profissões há um interação entre seres humanos, e a forma de conviver diariamente com pessoas que não fazem parte do nosso vínculo familiar requer habilidades de respeitar o espaço do outro, respeitar a forma de pensar diferenciado, e respeitar o direito do outro.
    No meu pensar a humanização está relacionada tanto a parte cognitiva da pessoa quanto a parte emocional, dando ênfase ao AMOR, pois o amor supera tudo, quando se tem amor em que você faz, você consegue atingir os objetivos no ambiente de trabalho, com amor você consegue se colocar no lugar do próximo, com amor você consegue respeitar as pessoas.

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  3. Humanizar é preciso... mas deve ser um movimento pela saúde e qualidade de vida que parta de todas as frentes envolvidas nesse processo: da política, da cidadania, das ações do cuidado,das equipes profissionais, da sociedade que consome os serviços de saúde, do SUS, dos sistemas gerenciais, dos empregadores...dentre muitas outras frentes.
    Mas pra isso, será necessária muita discussão. Assim como se deve desejar usufruir a comunicação dialógica com os usuários dos serviços de saúde. Dessa forma, buscando a aceitabilidade do que as pessoas são e representam ser, ou seja, não há possibilidade de humanizar o cuidado sem antes estabelecer um canal aberto com a clientela a qual será prestada essa ação.
    Informe-se em promoção da saúde, v.3, n.2.p.09-11, 2007.

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  4. humanizar e muito simples observa-se no texto o relato de algumas pessoas que referem a humanização em simples gestos como bom dia, obrigado, o que realmente já da um diferencial no atendimento. Falar de humanização parece ser tão facil, é simplesmente você tratar de forma respeitosa o seu próximo da mesma forma que você gostaria de ser tratado, sendo que cada pessoa tem a sua forma de ver o mundo e nós devemos sempre respeitar a vivência de cada individuo.

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  5. Segundo a Política Humaniza SUS, a humanização supõe troca de saberes, incluindo os dos usuários e sua rede social, diálogo entre os profissionais e modos de trabalhar em equipe (Brasil, 2005). Desta forma, entendemos que a humanização como estratégia de interferência no processo de produção de saúde, levando em conta que sujeitos sociais, quando mobilizados, são capazes de modificar realidades, transformando-se a si próprios neste mesmo processo. Isto se trata, sobretudo, de investir na produção de um novo tipo de interação entre os sujeitos que constituem os sistemas de saúde e deles usufruem, acolhendo tais atores e formulando seu protagonismo. Enfim, a humanização estabelece-se como construção de atitudes ético-estético-políticas em sintonia com um projeto de co-responsabilidade e qualificação dos vínculos entre os profissionais e entre estes e os usuários na produção de saúde.

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